SÃO PAULO - A epidemia mundial de diabetes é fato. Se em 2000 havia 171 milhões de pessoas no mundo lidando com esse quadro crônico de alta glicemia (açúcar no sangue), em 2030, segundo projeções divulgadas pela Associação Americana de Diabetes, serão 366 milhões. E "lidando" com a doença não quer dizer tratando. Sequer significa que muitas dessas pessoas saibam que são diabéticas. Estima-se que, no Brasil, metade dos portadores da doença (calculados, muito por baixo, em 4,6 milhões) a ignorem - a maioria só é diagnosticada quando as complicações (vasculares, renais, oculares e por aí vai...) estão instaladas.
Um encontro realizado no dia 26, em São Paulo, reuniu alguns dos médicos mais importantes do país na área, colegas latino-americanos e representantes da Associação Americana de Diabetes. Em discussão, as estratégias que endocrinologistas especializados em diabetes devem ensinar a clínicos, cardiologistas e outros médicos - que muitas vezes são os primeiros a deparar com a doença. Tudo para tentar vencer a guerra já inevitável contra a epidemia, da qual a obesidade é a maior aliada.
O GLOBO ONLINE aproveitou a reunião e conversou com alguns dos mais importantes experts em diabetes no Brasil e nos EUA. Em pauta, qual é, nesta guerra, o papel que devem desempenhar os governos e os médicos - mas também você e eu. Se epidemia é uma palavra irremediavelmente associada a urgência, qual a atitude mais urgente que cada um deve adotar para tentar contê-la?
Respondem à pergunta: o presidente da Associação Americana de Diabetes, John B. Buse, o cientista-chefe da entidade, Richard Khan, o ex-presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, Leão Zagury, e o chefe de endocrinologia do Hospital de Heliópolis e coordenador do Núcleo de Terapia Celular e Molecular da USP, Freddy Goldberg Eliaschewitz. Confira e engaje-se.
" A América Latina é um lugar onde as pessoas têm "um pouco de diabetes". Isso é como dizer que uma pessoa tem "um pouco de gravidez". "O médico na linha de frente
Leão Zagury:
- O clínico tem que entender que alteração na glicose é importante. Ele não pode passar a idéia de que a pessoa está apenas com "um pouquinho de açúcar no sangue".
Freddy Goldberg Eliaschewitz:
- Quem primeiro entra em contato com o paciente é o clínico geral, o médico de família, o profissional do posto de saúde. Essas pessoas não têm necessariamente clareza de que diabetes é um problema muito sério.
- Os clínicos precisam ter senso de urgência. A América Latina é um lugar onde as pessoas têm "um pouco de diabetes". Isso é como dizer que uma pessoa tem "um pouco de gravidez". Não percebemos a gravidade da doença até aparecerem as complicações.
Richard Khan:
- Para os médicos, a recomendação é: leve a diabetes a sério. Trate-a agressivamente.
John B. Buse:
- O novo plano para diabetes é negociar com o paciente. É importante negociar mudanças no estilo de vida e o tratamento que o paciente realmente vá seguir. Se o seu paciente não aderiu, ele não é um mau paciente. O tratamento é que pode estar inadequado. Os governos e a polêmica "repressão" à obesidade
Richard Khan:
Os governos têm que fazer algo para intensificar a perda de peso. Nos EUA, estão dificultando o acesso a máquinas com alimentos muito calóricos em escolas, que estão adotando merenda mais saudável. Há pro
" Se o seu paciente não aderiu, ele não é um mau paciente. O tratamento é que pode estar inadequado "
Propostas para obrigar restaurantes a informar dados nutricionais nos cardápios. Também se poderia dar incentivos fiscais a alimentos mais saudáveis e cobrar imposto dos mais calóricos. Isso também poderia se aplicar às pessoas. Quem é obeso pagaria mais imposto. Os que perdem peso teriam incentivos. Os países escandinavos estão incentivando suas populações a comer mais vegetais e frutas e a se exercitar. Apenas com mensagens constantes. Às vezes, mensagens constantes - constantes! - ajudam. Mas é preciso considerar que esses países são muito conscientes em relação à saúde.
- Nos EUA há uma tentativa de restringir a propaganda de alimentos com teor muito alto de açúcar durante programas infantis. Você, eu e a epidemia
Richard Khan:
- Para o indivíduo, o urgente é: não ganhe peso. Se ganhou, perca.
- Sempre digo às pessoas para comerem mais comida real. Qualquer coisa embalada em papel ou plástico tende a ser mais calórica e menos saudável.
- Não se pode parar no tempo em relação à diabetes. Uma vez que tem diabetes, não vai deixar de ter. É preciso lutar duro para prevenir.
John B. Buse:
- As pessoas levam anos para desenvolver um estilo de vida. Mudá-lo é muito difícil. Não se deve mudar todas as coisas de uma vez só. Mas a mudança no estilo de vida tem limites. Sempre tem efeito, mas nem sempre vai ser suficiente para o paciente. Quanto maior a mudança a fazer no estilo de vida a caminho de uma rotina saudável, maior o benefício da mudança.
- É preciso mudar a maneira que comemos. Nos EUA, os restaurantes servem comida demais. É preciso ter mais consciência do que é uma porção. Neste copo de suco de laranja (apontando para um copo à mesa), há duas porções. Suco de laranja é tão calórico como Coca-cola. Já frutas são saudáveis e têm fibras. Suco não tem fibra. É só caloria.
- Tomar um comprimido é muito mais fácil do que mudar o estilo de vida. Mas o comprimido apenas reduz o açúcar. A mudança no estilo de vida é boa para tudo. As responsabilidades comuns a todos
Richard Khan:
- Temos que primeiro aceitar que é um problema sério, que a diabetes é um assassino silencioso. É preciso que, primeiro, as pessoas aceitem que é urgente e importante.
- Não se pode parar no tempo em relação à diabetes. Uma vez que tem diabetes, não vai deixar de ter. É preciso lutar duro para prevenir.
John B. Buse:
- Governos, médicos e indivíduos deveriam fazer o mesmo: priorizar os testes. Pessoas pré-diabéticas vão prevenir a instalação da doença e quem descobrir que tem aumenta a chance de se tratar.
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